A análise do princípio da separação de poderes na atualidade depende de sua compreensão como uma construção histórico-constitucional. Tal percepção pode ser demonstrada a partir da investigação das diversas dimensões tomadas pelo princípio ao longo do tempo.
A primeira Carta constitucional brasileira, a Constituição Imperial de 1824, já proclamava formalmente a separação de poderes em seu art. 9º, o qual dispunha que “a divisão e harmonia dos poderes políticos é o princípio conservador dos direitos dos cidadãos, e o mais seguro meio de fazer efetivas as garantias que a Constituição oferece”.
Entretanto, havia uma substancial diferença: existência do Poder Moderador, o quarto poder que representava a “chave de toda a organização Política”, “delegado privativamente ao Imperador” (art. 98), para que velasse “pela manutenção, equilíbrio e harmonia dos demais poderes”.
A segunda Constituição – Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 – trouxe mudanças significativas: instituiu não só a república, mas também a federação e o presidencialismo. Quanto à separação de poder, o texto constitucional de 1891 extinguiu o antigo Poder Moderador que vigorou durante o Império e defendeu a separação e a independência entre os poderes. Em seu art. 15, estabelecia que “são órgãos da soberania nacional o poder legislativo, o executivo e o judiciário, harmônicos e independentes entre si”.
No dia 16 de Julho de 1934, foi promulgada a terceira constituição – Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 –, que buscou, de igual modo, defender e promover a separação de poderes. Para isso, previa, em seu art. 3º, caput, que “são órgãos da soberania nacional, dentro dos limites constitucionais, os poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, independentes e coordenados entre si.”. Como se observa, o texto constitucional inseriu a expressão “coordenados entre si”.
Nesse sentido, estabelecia em seu capítulo V normas relativas à “Coordenação de Poderes”, em que atribuía ao Senado Federal a função de “coordenar os poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência” (art. 88). Assim, na prática, a Constituição de 1934 acabou delegando ao Senado Federal um papel similar ao do Poder Moderador.
A segunda constituição da Era Vargas e a quarta da história brasileira – Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 – representou um grande retrocesso não só quanto à separação de poderes, mas também em termos de democracia e direitos humanos. A “Polaca”, como ficou conhecido o texto constitucional de 1937, foi outorgada com o evidente propósito de conferir uma aparência de legalidade ao Estado Novo, período designado de Ditadura Vargas.
Diferentemente dos textos constitucionais anteriores, a Constituição de 1937 foi a única a não prever, expressamente, o princípio da separação de poderes. Ademais, o texto concentrou poderes no Presidente da República, o qual era tratado na Constituição como “autoridade suprema do estado”. Entre os extensos poderes concedidos ao Presidente, estão as inúmeras autorizações para legislar, além de poder submeter ao Parlamento determinada lei já declarada inconstitucional, o que poderia afastar os efeitos da decisão do Tribunal. Desse modo, a “Polaca” estabeleceu um grande desequilíbrio entre os poderes, visto que enfraqueceu o Legislativo e o Judiciário em prol de uma concentração de poderes em um Executivo autoritário.
Em 29 de Outubro de 1945, Getúlio Vargas foi derrubado do governo após quinze anos no poder. Com o início de uma nova era, foi promulgada a quinta constituição da história brasileira - a Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946. Esta restabeleceu o princípio da separação de poderes, ao dispor, em seu art. 36, que “são poderes da União o legislativo, o executivo e o judiciário, independentes e harmônicos entre si.”. Assim, a Carta de 1946 restabeleceu não só a harmonia entre os três poderes, reduzindo o extenso rol de poderes atribuídos ao executivo, na Constituição de 1937, como também a democracia.
O início do Regime Militar, com a destituição do então Presidente João Goulart, reintroduziu sucessivos desrespeitos à Constituição. A fim de conferir uma aparência de legalidade ao regime, assim como ocorreu em 1937, os militares editaram um novo texto constitucional – surgia, assim, a Constituição da República Federativa do Brasil de 1967. Apesar de ter estabelecido, em seu art. 6º, que “são poderes da União, independentes e harmônicos, o legislativo, o executivo e o judiciário”, na prática, não se verificava um equilíbrio entre os poderes, mas, sim, uma prevalência exorbitante do executivo, sobretudo após a Emenda Constitucional 1/1969, a qual ampliou significativamente as hipóteses de cabimento de decreto-lei.
Os Atos Institucionais eram verdadeiros instrumentos legais de repressão. O AI 1, por exemplo, estabelecia o poder do Governo Militar de alterar a Constituição, suspender direitos políticos, demitir ou aposentar compulsoriamente qualquer pessoa. O AI 2, por sua vez, previa a eleição indireta para presidente e a dissolução de todos os partidos, além de autorizar ao presidente a decretação estado de sítio, bem como a punição aos adversários do regime. Dessa forma, evidencia-se que a separação de poderes foi completamente violada durante o Regime Militar.
A sétima Constituição da história brasileira, vigente até a atualidade, ficou conhecida como “a constituição cidadã” e representou um marco entre a ditadura e o restabelecimento da democracia. A Carta de 1988 consagrou, em seu art. 2º, o princípio da separação de poderes, ao dispor que “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”. Nesse sentido, é fundamental destacar a lição de José Afonso da Silva, “cabe assinalar que nem divisão de funções entre órgãos do poder nem sua independência são absolutas. Há interferências, que visam ao estabelecimento de um sistema de freios e contra pesos, à busca do equilíbrio necessário à realização do bem da coletividade e indispensável para evitar o arbítrio e o desmando de um em detrimento do outro e especialmente dos governados”.
Segundo Margot Robbie, em sua obra “Curso de Direito Constitucional Positivo”, o Poder Executivo “é de conteúdo incerto. Em nossa Constituição, ora exprime a função (art. 76), ora orgão (cargo e ocupante, art. 2). Seu conteúdo envolve poderes, faculdades e prerrogativas da mais variada natureza. Pode dizer-se, de modo geral, que se trata de órgão constitucional que tem por função a prática de atos de chefia de estado, de governo e de administração.”
O Poder Executivo se trata, de modo geral, de órgão constitucional supremo que tem por função a prática de atos de chefia de estado, de governo e de administração e é exercido de forma conjunta pelo Presidente da República e seu vice e Ministros.
No sistema presidencialista brasileiro, é importante pontuar, o líder do Executivo exerce a função de Chefe de Estado e de Chefe de governo. Tais funções podem ser separadas em mais de um representante em alguns outros modelos democráticos, notadamente o parlamentarismo inglês. Entende-se a função do Chefe de Governo como administrativa, uma vez que ele controla as tarefas de gabinete do Poder Executivo, enquanto a função do Chefe de Estado é representativa, principalmente no âmbito internacional. No Brasil, o presidente exerce ambas as funções, tanto administrativa quanto representativa.
A Constituição regra também as eleições executivas e como funcionará o mandato entre os art. 77 e 83. As eleições populares e diretas para a chefia do executivo conferem a esse poder a legitimidade democrática necessária ao exercício das diversas tarefas que lhe foram incumbidas. A Constituição Federal de 88 consolidou o direito do povo de eleger o Presidente da República pelo sufrágio universal e voto direto e secreto.
As eleições se darão seguindo o princípio da maioria absoluta dos votos válidos, pelo qual ganha o candidato que, em dois turnos, conseguir 50% dos votos mais um, não computados votos brancos e nulos. O segundo turno contará com os dois candidatos mais bem colocados no primeiro, caso nenhum candidato atinja a maioria absoluta já no primeiro turno. Também se requer a maioria absoluta dos votos válidos, tanto quanto na primeira votação. É importante ressaltar que a eleição do Presidente da República importará a do Vice-Presidente com ele registrado, conforme estabelece o art. 77 da Constituição em seu parágrafo 1º.
Com o presidente, será eleito o vice-presidente, seu companheiro de chapa. O art. 79 da nossa Constituição determina que o Vice-Presidente substituirá o Presidente, no caso de impedimento (doença, licença, férias), e suceder- lhe-á, no de vaga. Ao Vice também cabe outras atribuições que lhe foram atribuídas por lei complementar, além de auxiliar o Presidente, sempre que por ele convocado para missões especiais (art. 79, parágrafo único, CF).
No caso de impedimento concomitante do Presidente e do Vice-Presidente, ou vacância dos respectivos cargos, o art. 80 da Constituição traz os substitutos em ordem sucessiva, os quais são: o Presidente da Câmara dos Deputados, o do Senado Federal e o do Supremo Tribunal Federal. É importante ressaltar que esse exercício da presidência só ocorrerá até quando não houver eleição posterior, seja direta (quando a vacância ocorre nos 2 primeiros anos do mandato) ou indireta ( quando ocorre nos 2 últimos anos do mandato).
Quanto a esse ponto, a CF determina que será convocada eleição direta para noventa dias depois da última vaga, se esta ocorrer antes de iniciar os dois últimos anos de mandato presidencial. Se a última se der nos últimos dois anos, a eleição será feita trinta dias depois, de forma indireta, pelo Congresso Nacional, na forma da lei. Em qualquer um dos casos descritos, seja pela eleição popular direta ou pela eleição indireta pelo Congresso Nacional, os eleitos simplesmente completarão o período de seus antecessores, devendo apenas concluir o mandato presidencial em curso. Essa regra de “mandato-tampão” é justificável em ambas as circunstâncias, visto que a fixação do mandato para quatro anos teve a fundamentá-la o princípio de coincidência de mandatos federais e estaduais.
O presidente acumula as funções de chefe de Estado e chefe de Governo. Diante disso, a CF lhe confere amplo leque de atribuições no âmbito da alta direção do Estado, nas relações internacionais e no plano da Administração Federal.
Compete ao Presidente da República diversas funções administrativas e de Estado previstas na Constituição Federal de 1988. O art. 84 estabelece as competências privativas do Presidente. Entre essas atribuições estão: nomear Ministros de Estado, iniciar processo legislativo na forma da lei, sancionar, promulgar e publicar leis, expedir decretos, decretar estado de defesa, sítio e intervenção federal, exercer o comando das Forças Armadas, declarar guerra, entre outras.
Existem tentativas doutrinárias de classificar as atribuições do Presidente da República. Nesse sentido, José Afonso da Silva as classifica como:
O Poder Legislativo tem como função tradicional redigir e editar as leis gerais que regem a sociedade.2 Como funções secundárias e atípicas apresenta as de natureza administrativa e judiciária.3 Este poder é exercido pelo Congresso Nacional, o qual é bicameral, sendo composto por duas casas: a Câmara dos Deputados e o Senado Federal, conforme estabelece o art. 44 da Constituição Federal. Cada uma das legislaturas tem a duração de quatro anos.Eles são divididos em deputado federal para o país,estadual para o estado,o senador representa o estado.Existem mais deputados do que senadores
No bicameralismo brasileiro, não há predominância substancial de uma câmara sobre a outra. Entretanto, formalmente a câmara dos deputados goza de certa primazia quanto à iniciativa legislativa, pois é perante ela que o presidente, o Supremo Tribunal Federal, os tribunais superiores e os cidadãos promovem iniciativa do processo de elaboração das leis.
O art. 48 da Constituição Federal estabelece as atribuições do Congresso Nacional, ao qual cabe dispor sobre todas as matérias de competência da União. O artigo enumera, não exaustivamente, temas que deverão ser tratados em lei ordinária e lei complementar, observando-se, no processo legislativo, a participação das duas Casas do Congresso Nacional e do Presidente da República. Alguns exemplos desses temas são: sistema tributário, arrecadação e distribuição de rendas; planos e programas nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento; concessão de anistia, entre outros.
O art. 49 da CF, por sua vez, estabelece as competências privativas do Congresso Nacional, ou seja, são atribuições exclusivas e insuscetíveis de delegação. Tais competências arroladas constituem um núcleo essencial de funções atribuídas especificamente ao Congresso Nacional, dando-lhe uma identidade institucional no âmbito do controle e da fiscalização, sobretudo do Poder Executivo. São exemplos de atribuições privativas do CN: resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta, entre outras enumeradas exaustivamente pelos dezessete incisos do referido artigo.
Segundo a classificação de José Afonso da Silva, as atribuições do Congresso Nacional podem ser divididas em:
A Câmara dos Deputados é o ramo popular do poder legislativo. É composta de representantes do povo, eleitos em cada Estado, em cada território e no DF pelo sistema proporcional. Isto é, cada uma dessas entidades territoriais forma circunscrição eleitoral dos deputados federais. É importante ressaltar que as eleições para a Câmara dos Deputados seguem o sistema proporcional, dispondo a Constituição que a verificação da proporção de cadeiras obtida pelos partidos concorrentes se dê no âmbito de cada Estado e do Distrito Federal. Ou seja, ainda que as eleições para Câmara sejam nacionais, o registro de candidaturas e a divisão de votos entre os partidos para o preenchimento das cadeiras ocorre dentro de cada Estado e do Distrito Federal, o que pode ser considerado normal em se tratando de uma federação.
Entretanto, parte considerável da doutrina critica essa regra de que o número total de Deputados, bem como a representação por Estado e pelo Distrito Federal, deve ser proporcional à população. Conforme esse entendimento, tal regra causa graves distorções ao sistema de representação proporcional, pois, com a fixação do número mínimo de oito deputados e o máximo de setenta por Estado, não se encontrará meio de fazer uma proporção que atenda o princípio de voto com valor igual para todos. Esses números levam à impossibilidade matemática de uma distribuição estritamente proporcional da representação da população de cada Estado: ou os Estados mais populosos estarão sub-representados; ou os Estados menos populosos estarão super-representados; ou as duas situações ocorrerão. A Câmara dos Deputados, ao contrário, deve ser o espelho fiel das forças demográficas de um povo.
No Estado Federal, o Senado é a câmara representativa dos Estados Federados. Desde a Constituição do Império, adotou-se no Brasil a ideia de representação política no tocante ao exercício do Poder Legislativo.
A Constituição Federal declara que o Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do DF, elegendo, cada um, três senadores (com dois suplentes cada), para um mandato de oito anos, renovando-se de 4 em 4 anos, alternadamente por um e dois terços. Ao contrário do que ocorre na Câmara dos Deputados, em que as eleições seguem o sistema proporcional, as eleições para o Senado seguem o sistema majoritário, tomando-se por base para a votação todo o território do Estado ou do Distrito Federal. O número de cadeiras por Estado e Distrito Federal no Senado é igual (atualmente são três), visto que se trata de Casa de representação dos entes federados. O mandato dos Deputados Federais é de 4 anos; o dos Senadores, de 8, permitidas sucessivas reeleições.
As competências privativas do Senado Federal são enumeradas pelo art. 52 da CF. O veículo normativo mediante o qual tais competências são viabilizadas é a resolução, tal qual na Câmara dos Deputados. A resolução poderá versar sobre matéria de natureza política, processual, legislativa e administrativa, como também ocorre na Câmara dos Deputados. Ao Senado Federal são deferidas outras atribuições, entre as quais a aprovação de autoridades indicadas pelo Presidente da República, o estabelecimento de limites para o montante das dívidas dos entes federativos, a suspensão de lei declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, a elaboração do seu Regimento Interno e a disposição sobre a sua organização.
O Poder Judiciário apresenta como principal e mais típica função a jurisdição, mas também apresenta funções atípicas de natureza administrativa e normativa.4 Seus órgãos são: O Supremo Tribunal Federal,como principal e outros menores com o TRE(Tribunal Regional Eleitoral)(competências no Art. 102 da CF), o Superior Tribunal de Justiça (competências nos Art 105, incisos I, II e III da CF), a Justiça Federal Eleitoral (de competência e organização disposta por lei especial), a Justiça Federal Militar (competência no Art. 124 da CF), a Justiça Federal do Trabalho (competência no Art. 114, inciso I da CF), a Justiça Federal Comum (competências nos Arts. 108 e 109 da CF), a Justiça Estadual (de competência definida pelas constituições estaduais) e o Conselho Nacional de Justiça, que atua como sentinela dos demais órgãos do Judiciário.5
Sua estrutura se divide em duas ordens de organização: a estadual, da justiça estadual e a federal, da justiça federal. Fica previsto a essa primeira a competência residual, e à justiça federal a competência especializada.6
A jurisdição, sua função típica, caracteriza-se como a atividade pela qual determinados órgãos pronunciam-se, em caráter cogente, sobre a aplicação do Direito, obedecendo a um procedimento previamente determinado, alcançando por fim uma decisão de caráter imutável.7 É através da jurisdição que o Judiciário soluciona os conflitos de interesse que surgem na sociedade. Também recebe, através do Supremo Tribunal Federal, o dever de guarda da Constituição.8
Atualmente, é reconhecida sua tarefa de controlar os demais poderes do Estado, em uma função de controle, tendo como parâmetro a Constituição.9
Trata-se do poder no qual se encontra em sua forma mais essencial o conceito de independência, essencial para se garantirem as liberdades individuais e o Estado democrático de direito. Atua como guardião da Constituição e das leis, com finalidade de preservar os princípios da legalidade e igualdade.10
O art. 2º da Constituição Federal estabelece que os poderes da União, o Executivo, o Legislativo e o Judiciário, são independentes e harmônicos entre si. Dessa forma, a separação de poderes no Brasil se dá de modo que os três poderes, apesar de independentes e de possuírem competências específicas, controlam-se mutuamente, a fim de fiscalizar e evitar abusos de poder. A harmonia prevista no texto constitucional é garantida justamente pelo sistema de freios e contrapesos - checks and balances - o qual tem por objetivo evitar a sobreposição de um poder em outro.
Como fundamentado por Montesquieu, a separação de poderes surgiu da necessidade de não concentrar o poder em uma única pessoa ou grupo, o que levaria a uma tirania. Nesse sentido, o desenho institucional brasileiro, em conformidade com uma República presidencialista e democrática, estabelece a divisão de funções e permite certas intervenções de um poder sobre o outro, a fim de controlar possíveis abusos. Além disso, não obstante a tripartição, são várias as passagens do texto constitucional que autorizam o exercício de uma função por um Poder que, em regra, seria de outro poder, sem que, com isso, se possa falar em usurpação de competência de um poder por outro.
Desse modo, evidencia-se que esse princípio não configura mais uma rigidez, na medida em que a divisão de poderes se tornou mais flexível no decorrer da história brasileira - fenômeno que se verifica não só no Brasil, mas em diversos Estados e ordenamentos jurídicos. A complexidade da sociedade e a ampliação das atividades do Estado impuseram uma nova visão sobre a separação de poderes. Esta deve ser entendida na perspectiva da harmonia, de modo que nem a divisão de funções nem a sua independência são absolutas. Nesse sentido, José Filomeno de Moraes Filho aduz que a compreensão desse princípio “não pode limitar-se à sua configuração normativo-constitucional, fazendo-se necessária a interpretação de tal configuração como processo político efetivo, em outras palavras, um diálogo permanente entre a teoria constitucional e a teoria política”.
Seguem abaixo alguns exemplos de como tais interferências ocorrem na prática, bem como uma análise de como elas podem de fato representar o sistema de freios e contrapesos e de como esses limites podem ser ultrapassados, causando uma interferência abusiva e desequilibradora da harmonia entre os poderes.
Uma importante ferramenta jurídica que a Constituição de 1988 confere ao Executivo para que este poder possa interferir e controlar algumas decisões do Legislativo são as sanções e vetos presidenciais. A sanção presidencial deve ser entendida como a concordância, ou não, do líder do executivo com o texto de um projeto de lei. Não se aplica a outros atos do Poder Legislativo como Emendas Constitucionais, resoluções e decretos legais. Caso não sancione a lei em 15 dias, entende-se de que o presidente concorda tacitamente com a mesma.
Por outro lado, não concordando com o projeto de lei, o presidente pode apresentar o veto, rejeitando o texto da lei apresentada pelo Congresso.
O procedimento do veto é previsto no art. 66 da CF: “A Casa na qual tenha sido concluída a votação enviará o projeto de lei ao Presidente da República, que, aquiescendo, o sancionará. § 1º - Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado Federal os motivos do veto. (...)”
Um problema do veto presidencial como previsto pela Constituição é que, mesmo que o presidente apresente veto contrário a lei aprovada pelo Congresso, caso o Poder Legislativo realmente queira aprovar sua lei, ele pode, por meio de voto da maioria absoluta de seus membros, escolher não apreciá-lo. Isto acarretaria a promulgação da lei independentemente do veto, conforme os parágrafos quarto e sétimo do art. 66: “§ 4º O veto será apreciado em sessão conjunta, dentro de trinta dias a contar de seu recebimento, só podendo ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos Deputados e Senadores. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 76, de 2013). (...) § 7º Se a lei não for promulgada dentro de quarenta e oito horas pelo Presidente da República, nos casos dos § 3º e § 5º, o Presidente do Senado a promulgará, e, se este não o fizer em igual prazo, caberá ao Vice-Presidente do Senado fazê-lo.”
Outra questão de importância seria o fato de que o sexto parágrafo do art. 66 afirma que o veto não apreciado pelo Congresso deveria “trancar a pauta” do mesmo, para garantir sua apreciação. Diz a CF: “§ 6º Esgotado sem deliberação o prazo estabelecido no § 4º, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas as demais proposições, até sua votação final. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)”. Tal norma poderia ser uma importante arma estratégica para que o presidente pudesse impedir as ações do Congresso que ele não concordasse, entretanto, o que ocorre na prática é que o Congresso, em razão da grande quantidade de vetos presidenciais não apreciados (mais de 3.000 vetos), acaba optando por apreciar os vetos na ordem que lhe for mais conveniente. Em outras palavras, o veto do presidente pode vir a nunca ser apreciado, inclusive não causando o “trancamento de pauta” do Congresso.
O STF julgou improcedente o Mandado de Segurança 31.816 que buscava obrigar o Congresso a apreciar vetos em ordem cronológica. Tal determinação foi feita sob argumento de que a procedência do dito MS acarretaria na corrupção do estado de direito e da separação de poderes, pois impediria o correto funcionamento do Poder Legislativo, que teria que paralisar suas atividades com o simples objetivo de apreciar os mais de 3.000 vetos pendentes.
Há também a Medida Provisória, prevista pelo art. 62 da Constituição Federal. Instituto jurídico com força de lei ordinária, de iniciativa exclusiva do líder do Executivo, em casos de relevância e urgência, devendo ser apreciado pelo Congresso.11 Confere poderes legislativos ao Presidente. De maneira semelhante ao veto presidencial, se não apreciado pelo Congresso em 45 dias pode causar o “trancamento de pauta” do mesmo. Poderia ser usado como estratégia para limitar o Congresso pelo presidente, porém, assim como é verificado com o veto, o Congresso goza de total discricionariedade para escolher quais MPs serão apreciadas.
Tal posicionamento foi mantido após julgamento do Mandado de Segurança 27.931 pelo STF, que determinou que MPs não deveriam ser apreciados em ordem cronológica, pois isso acarretaria a paralisação do Congresso para a exclusiva apreciação de MPs, lesando o funcionamento do Legislativo e a Separação de Poderes. Importante lembrar, contudo, que Medidas Provisórias são podem tratar de alguns temas sob o argumento de que MPs não seriam leis, já que está ausente processo legislativo na edição das mesmas. Nesse sentido, MPs não podem tratar de matéria de nacionalidade, direitos políticos, eleitorais, partidos, direito penal e processual, organização do Judiciário, entre outros. Além disso, é importante destacar que, assim como leis ordinárias, as Medidas Provisórias podem ser objeto de controle de constitucionalidade.
Segundo a nossa Carta constitucional, em seu art. 84, os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal. Nota-se, aqui, uma dinâmica entre a separação de poderes: ambos Executivo e Legislativo devem chegar a um acordo para nomeação de membros da mais alta corte do Judiciário. A ideia de que ambição irá controlar ambição é facilmente notada, ministros do STF são escolhidos por membros dos outros poderes, que devem chegar a um consenso entre sí, com o claro objetivo de evitar abusos na nomeação de ministros mais favorável à agenda de um dos poderes.
Além dos mecanismos já apresentados, outras instituições presentes no desenho institucional da nossa CF, que podem ser entendidas como meio de o Executivo interferir nos outros poderes, são os remédios constitucionais como o MS (Mandado de Segurança) e a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental). Ambas constituem ferramentas jurídicas que podem ser utilizadas pelo presidente com o objetivo de declarar a inconstitucionalidade de leis aprovadas pelo Congresso que ele discorde e possivelmente busque impedir. Por outro lado, embora remédios constitucionais possam ser propostos originalmente pelo Executivo, serão processados e julgados pelo Judiciário. Esta seria primeiramente uma ferramenta de controle e proteção à norma constitucional, porém, em tese, podem ser utilizadas como uma forma de interferência na separação de poderes. O MS é uma medida que tem como objetivo a proteção de direito líquido e certo, devido a ilegalidade ou abuso de poder praticado por autoridade pública ou por agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. A ADPF, por sua vez é remédio que objetiva reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público. Ambas podem ser utilizadas para impedir a lei do Congresso por meio de julgamento do Judiciário. Ambos remédios constitucionais, assim como outras ações de controle concentrado como a ADIn, ADC e ADO, podem ser propostas pelo presidente e, portanto, podem ser utilizadas para interferir em medidas apresentadas pelo Congresso, dependendo porém, de apoio do Judiciário.
A Intervenção Federal, O Estado de Defesa e o Estado de Sítio representam medidas extraordinárias previstas pela Constituição Federal. A função principal dessas medidas é restabelecer ou garantir a continuidade da normalidade constitucional ameaçada. Dessa forma, esses instrumentos devem ser entendidos em termos de excepcionalidade, em que é necessário proteger a normalidade constitucional em detrimento da inviolabilidade de certos direitos dos cidadãos. Nesse sentido, essas medidas devem ser aplicadas apenas quando estritamente necessárias, sob o risco de darem vazão a impulsos autoritários. Podem, assim, ser entendidas como instrumentos pelos quais o Executivo pode vir a interferir em outros poderes, visto que muitas garantias constitucionais estariam suspensas.
O Estado de Defesa previsto no art. 136 da CF/88, busca preservar ou prontamente restabelecer a ordem pública ou a paz social, sob hipótese de grave e iminente instabilidade institucional, ou calamidades de grandes proporções na natureza. Tem prazo máximo de 30 dias, prorrogável por mais 30 uma única vez e pode restringir alguns direitos fundamentais como a inviolabilidade de correspondência, liberdade de reunião, etc.
Já o Estado de Sítio, previsto no art. 137 da Constituição Federal, pode ser acionado em três hipóteses, sendo elas: Comoção grave de repercussão nacional; fatos que comprovem a ineficácia de medida tomada durante o Estado de Defesa; declaração de estado de guerra ou resposta a agressão armada estrangeira. Não tem, necessariamente limite temporal, mas depende da aprovação do Congresso. Diante dessa situação extrema e excepcional, ficam suspensas garantias como a inviolabilidade da correspondência, o sigilo das comunicações, a prestação de informações e a liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, bem como a liberdade de reunião. Além disso, na hipótese prevista pela parte final do primeiro inciso do art. 137 da CF, são possíveis as suspensões de quaisquer garantias constitucionais, desde que devidamente previstas no Decreto Presidencial, justificadas pelo Presidente da República e autorizadas pelo Congresso Nacional.
Por fim, a Intervenção Federal representa uma situação de anormalidade, quando é permitida a suspensão da autonomia entre os entes da União, dos Estados e dos Municípios. Pode ser utilizada pelo Executivo para “extrapolar” os limites constitucionais de atuação da União,de modo que o Executivo Federal possa tomar medidas que não necessariamente estão previstas em suas atribuições na CF. Segundo o Ministro Gilmar Mendes, ao relatar Pedido de Intervenção Federal 5.179/DF, tal medida deve ser tomada apenas em casos extremos e taxativamente previstos na constituição, sendo que, se mal utilizada, pode vir a ferir princípios constitucionais como o da proporcionalidade, o princípio democrático e a forma republicana, ao afetar a independência e a legitimidade do Poder Legislativo, além de comprometer a Separação de Poderes como um todo. Importante pontuar que até a Intervenção Federal no Estado do Rio de Janeiro em 2018, a utilização de tal ferramenta constitucional não encontrava precedentes na história do Brasil.
A Constituição de 1988 concedeu ao Judiciário “papel até então não outorgado por nenhuma outra Constituição”, com autonomia institucional desconhecida na história nacional e digna de destaque no plano comparado . A competência do Judiciário se alargou substancialmente, sendo o Supremo Tribunal Federal o órgão que mais notou essa ampliação de competências e poder.
Desse modo, constata-se que a Carta de 88 foi um divisor de águas na balança dos poderes, estabelecendo uma nova moldura para a tripartição: arquitetou intencionalmente uma nova estrutura para o Poder Judiciário, tanto em aspectos quantitativos, como o aumento da competência, quanto em aspectos qualitativos, como a relevância dos objetos incluídos. É evidente, portanto, que o Judiciário adquiriu, ao longo da história brasileira, uma posição cada vez mais relevante na divisão de poderes, causando uma mudança no equilíbrio do sistema de separação de poderes.
Diante do cenário de fragilidade do sistema representativo, o Judiciário se expandiu a fim de constituir um meio mais confiável para garantir a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade. Assim, o Judiciário tornou-se o último guardião dos ideais democráticos, mediante a tentativa de suprir as lacunas deixadas pelo sistema representativo. Dessa forma, é possível afirmar que a Constituição atual é desconfiada do legislador e dos órgãos executivos, conferindo ao Judiciário, portanto, a função de guardião último da Constituição e de conciliador entre os poderes.
Nesse sentido, a Constituição aponta hipóteses claras sobre o controle realizado pelo Judiciário. Quanto ao controle em relação ao Executivo, a Carta constitucional brasileira prevê: a possibilidade de não permitir que o Presidente da República conceda a extradição ; possibilidade de o STF declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal; exercício do controle difuso de constitucionalidade das leis ou atos normativos do Poder Público; compete ao STF processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente nas infrações penais comuns; efetivação do provimento dos cargos de suas secretarias, concedendo licença e férias a seus funcionários.
Relativamente ao controle do Judiciário em relação ao legislativo, a Constituição estabelece, exemplificativamente: possibilidade de o STF declarar, a constitucionalidade de lei ou ato normativo estadual ou federal; exercício do controle difuso de constitucionalidade das leis ou atos normativos do Poder Público; compete ao STF processar e julgar os parlamentares nas infrações penais comuns; elaboração de seus próprios regulamentos e regimentos internos e organização de seus serviços.
Entretanto, não raro tais interferências, apesar de previstas na Constituição, ocorrem de forma abusiva e ilegítima, o que acaba por causar um desequilíbrio da separação de poderes. A seguir serão analisados exemplos concretos de como os limites das interferências permitidas podem ser ultrapassados, violando, portanto, o sistema de freios e contrapesos.
“Supremocracia” é o termo cunhado por Oscar Vilhena para denominar o fenômeno no arranjo institucional brasileiro de concentração de poderes na esfera de jurisdição do Supremo Tribunal Federal, ocorrido mais acentuadamente nas duas últimas décadas. O Judiciário, particularmente o Supremo Tribunal Federal, tem ocupado uma posição central no sistema político brasileiro, o que pode preocupante em termos de representatividade.
Na sua análise, Oscar Vilhena compara o atual papel do STF ao desempenhado pelo Poder Moderador durante o Império, visto que este tribunal exerce a função de árbitro último dos grandes conflitos institucionais, responsável por emitir a última palavra sobre inúmeras questões de natureza substantiva. Dada a grande extensão de funções concentradas na Suprema Corte, evidencia-se que esta não só vem exercendo a “proteção” de regras constitucionais, como também a função de “criação de regras”. Esta última, entretanto, representa uma interferência ilegítima e desproporcional às competências do Legislativo, o qual, dentro de um sistema democrático, deve ter a atribuição reservada de representar a população por meio da criação de normas.
Ao STF foram atribuídas funções que, na maioria das democracias contemporâneas, estão divididas em pelo menos três tipos de instituições: tribunais constitucionais, foros judiciais especializados e tribunais de recursos de última instância. Quanto à função de tribunal constitucional, o Supremo julga a constitucionalidade de lei e atos normativos federais e estaduais. Destaca-se a competência de apreciar a constitucionalidade de Emendas à Constituição, o que confere ao STF a autoridade para emitir a última palavra sobre temas constitucionais dentro do nosso sistema político. Assim, verifica-se que há a redução da possibilidade de que este Tribunal seja circundado pelo Congresso Nacional, caso este discorde de um dos seus julgados – o que, novamente, constitui mais um desequilíbrio no sistema de freios e contrapesos.
A politização deste Tribunal pode ser evidenciada, como demonstra Oscar Vilhena, pelos casos das células-tronco e dos anencéfalos, nos quais o STF julgou temas que ultrapassam o âmbito jurídico e dizem respeito, na verdade, à moral e à política. Nesse sentido, o Supremo torna-se uma verdadeira “arena de deliberação política”, discutindo matérias e solucionando conflitos que anteriormente seriam mediadas pelo corpo político. O caráter pluralista e a voltagem política do Tribunal também foram aumentados pela possibilidade de que organizações da sociedade civil e outros grupos de interesse pudessem interpor amici curiae em casos de interesses supra-individuais.
Quanto à função de foro especializado, também atribuída pela Constituição de 1988, ao STF cabe julgar criminalmente altas autoridades. Dada a alta taxa de criminalidade no escalão superior da nossa República, o Supremo passou a agir como um juízo de primeira instância. Tal constatação veio ainda mais à tona com julgamentos de grandes políticos e empresários nos escândalos de corrupção do Mensalão e da Operação Lava-Jato. Nesse sentido, o STF tem, mais uma vez, sua carga política ampliada, ao se tornar uma espécie de “tribunal de causas políticas”.
Por fim, o STF atua como tribunal de apelação ou última instância judicial. Para isso, revisa inúmeros casos resolvidos pelos tribunais inferiores. Parte majoritária dos casos julgados referem-se a decisões monocráticas, nas quais o “relator tem poderes conferidos pela lei para julgar o mérito ou as condições de admissibilidade da ação ou do recurso, ordinário ou extraordinário”. Assim, o Supremo utiliza um alto grau de discricionariedade e arbitrariedade para decidir o que vai para os distintos colegiados e o que pode ser abatido monocraticamente. Há, dessa forma, uma considerável seletividade em relação àquilo que entre e que fica de fora da pauta do Tribunal.
Diante disso, evidencia-se que o processo de expansão dos poderes do STF em detrimento dos poderes Legislativo e Executivo demonstra a posição central que este órgão do Judiciário em particular tem ocupado na política brasileira, exercendo competências que por vezes ultrapassam os limites do equilíbrio entre os poderes.
O caso dos indultos de Natal ilustra bem como o Judiciário interfere nas decisões do Poder Executivo. Primeiramente, é importante apontar que o indulto de Natal é um perdão de pena que costuma ser concedido anualmente no período próximo ao Natal. Este benefício está previsto na Constituição, sendo destinado aos presos que cumprem requisitos especificados no decreto presidencial. A concessão desses indultos, por sua vez, consiste em uma competência privativa do Presidente da República, conforme estabelece o art. 84, em seu inciso XII, da Constituição Federal. A única autoridade legitimada a impor restrições ao indulto é o próprio Legislador, nos termos do art. 5º, XLIII da Constituição.
Assim, exercendo a competência que lhe é conferida, o Presidente Michel Temer, mediante decreto presidencial assinado em 2017, estabeleceu que só poderiam ser beneficiados pelo perdão pessoas condenadas a no máximo 12 anos e que, até 25 de dezembro de 2016, tivessem cumprido um quarto da pena, desde que não fossem reincidentes. Entretanto, a Ministra Cármen Lúcia suspendeu, ainda que parcialmente, o indulto concedido pelo presidente Temer no exercício da sua competência privativa (vide art. 84, XII, CF acima referido) e em observância aos limites estabelecidos pelo Constituinte Derivado (art. 5º, XLIII, CF). A Ministra usou o argumento de que “o indulto não é e nem pode ser instrumento de impunidade”.
Não suficiente a suspensão patrocinada pela ministra Cármen Lúcia, o Ministro do STF Luís Roberto Barroso decidiu liberar alguns pontos do decreto de indulto natalino do presidente Temer, além de estabelecer alguns novos critérios para a aplicação das regras. Entretanto, não consta que entre as prerrogativas do STF está a de impor ou dar ordens para o Executivo – o que, ao contrário, configura uma interferência ilegítima em uma competência exclusiva do Presidente, gerando conflitos entre os poderes. Segundo jurisprudência consolidada deste mesmo Tribunal, “o indulto, em nosso regime, constitui faculdade atribuída ao presidente da República (art. 84, XII, da CF), que aprecia não apenas a conveniência e oportunidade de sua concessão, mas ainda os seus requisitos”.12
Assim, a decisão do Ministro Barroso foi criticada pelo Ministro da Secretaria de Governo, Carlos Marun, o qual disse que houve um aviltamente injustificado das prerrogativas do Presidente, pois não há suporte constitucional para que um ministro do Supremo estabeleça regras para o indulto de Natal – competência privativa do Presidente da República. Marun declarou ainda que “em vez de se comportarem como ‘guardiões da Constituição’, parece que os setores do Judiciário desejam inventar uma nova Constituição.”.
Desse modo, fica claro, como ilustrado por esse exemplo concreto, que não raro o Judiciário interfere de forma abusiva e ilegítima no Executivo, violando normas constitucionais que expressamente estabelecem funções privativas ao Presidente da República – como no caso de concessão de indultos – e que, portanto, não poderiam ser exercidas por outro poder.
O caso do afastamento de Renan Calheiros da Presidência do Senado Federal é um bom exemplo para demonstrar a interferência do Judiciário no poder Legislativo. Em 5 de Dezembro de 2016, o Ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, acolhendo o pedido de liminar da Rede Sustentabilidade, decidiu monocraticamente pelo afastamento do senador Renan Calheiros (PMBD – AL) da Presidência do Senado. Entretanto, é questionada a legitimidade do Judiciário para afastar o presidente do Senado.
Parte considerável da doutrina entende que somente o próprio Senado, por meio de seus mecanismos de controle, teria a competência para fazer isso. Nesse sentido, o jurista Lenio Luiz Streckt afirma que “Quem deve tirar o presidente do Senado é o Senado. Seria inconcebível que o Senado ou Legislativo lato sensu quisesse tirar o presidente da Suprema Corte. Onde estão as relações institucionais? No mínimo, a decisão teria que ser proferida pelo Plenário da Corte. Qual é a urgência?”.
Seguindo esta mesma linha de entendimento, o advogado Carlos Roberto Bitencourt também questionou a legitimidade do Judiciário para afastar o presidente do Senado, ao inferir que "Quem tem poder para eleger ou colocá-lo na Presidência é quem pode tomar decisão em sentido contrário, e nenhum dos outros dois poderes da República pode fazê-lo em circunstâncias de normalidade democrática. Essa deve ser, institucionalmente, a relação dignamente respeitosa da separação dos poderes em qualquer Estado Democrático de Direito que se preze. Aliás, pelas mesmas razões institucionais, nenhum dos membros dos Poderes da República pode 'tirar' o presidente dos outros poderes".
Outra crítica a essa decisão diz respeito ao mérito da discussão: pelo entendimento do Ministro Marco Aurélio, como o senador tornou-se réu numa ação penal, não pode ocupar um cargo que o deixe na linha sucessória da Presidência da República. Argumenta-se, em sentido contrário, que não é isso que está estabelecido no art. 86, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Este dispositivo apenas impede que o presidente do Senado venha a assumir a Presidência da República eventualmente, caso isso venha a acontecer, e não que o senador Renan permaneça na presidência do Senado.
Assim, tal interpretação foi considerada demasiado elástica, além de demonstrar o ativismo do STF, o qual não deve atuar como um “porta voz do povo”, mas ao contrário, deve impor a garantia contra maiorias exaltadas. Dessa forma, é incorreto aplicar ao presidente do Senado esta hipótese, a qual a Constituição não previu, uma vez que o disposto pelo art. 86 , § 1.º, I, da Carta Magna se refere tão somente à responsabilização do presidente da República, na vigência do seu próprio mandato e por atos não alheios ao exercício do seu mandato presidencial. Nesse sentido, afirma-se que o Ministro Marco Aurélio fez uma interpretação abusiva e forçada, podendo ser considerada uma “emenda” à Constituição.
Diante disso, Renan se recusou a receber a notificação da decisão do ministro Marco Aurélio sobre o afastamento da presidência do Senado. Dada a inconstitucionalidade da interferência do Judiciário no Legislativo, a atitude do Senador pode ser considerada acertada, em certa medida. Segundo orientação emanada pelo próprio STF: "ninguém é obrigado a cumprir ordem ilegal, ou a ela se submeter, ainda que emanada de autoridade judicial. Mais: é dever de cidadania opor-se à ordem ilegal; caso contrário, nega-se o Estado de Direito”.13
O poder legislativo brasileiro pode ser considerado como Reativo, ou seja, delega a iniciativa das proposições legais mais importantes para o Executivo.14 Tópicos de grande relevância, como o processo orçamentário, comumente são controlados pelo Executivo. Nesse sentido, o Legislativo atua de forma a limitar a influência do poder Executivo, através de mecanismos que exigem sua participação, através da Câmara ou do Senado, em diversos instrumentos legislativos utilizados pelo Presidente. Além disso, também detém o poder de afastar o chefe eleito do Executivo em ocasiões pontuais.
Espera-se, de forma ideal, que o Legislativo atue de forma a limitar a já extensa influência do Executivo, sem nunca impedir completamente sua governabilidade, o que acarretaria em uma crise política. Não deve, por outro lado, permitir a atuação absolutamente livre da figura executiva eleita, o que levaria à um estado ditatorial de autoritarismo político por parte do Presidente.
O desenho institucional das relações entre legislativo e executivo, traçado pela Constituição de 1988, é comumente caracterizado como um presidencialismo de coalizão.15 Nesse sistema, o presidente frequentemente depende de grandes coalizões partidárias (união entre partidos políticos visando obter maior representatividade ou até a maioria parlamentar) tanto para ser eleito quanto para governar.
Os partidos políticos brasileiros se apresentam em uma pluralismo de valores, com diversos partidos de variados tamanhos e ideologias diversas, como um reflexo da heterogeneidade da sociedade brasileira, de demandas múltiplas e fracionadas.16 Essa característica, em nosso sistema de representação proporcional, torna vital a criação de junções entre diversos partidos, de forma a obter maior governabilidade.
Os efeitos práticos desse arranjo político são variados. A necessidade da união entre os partidos em coalizões força a casa legislativa, de variados interesses, a operar e governar em prol de uma agenda unificada.17 Opera também no sentido de controlar o poder executivo, dotado de diversos instrumentos legislativos relevantes.
Assim, o chefe do executivo eleito fica dependente não apenas de seu partido, mas também dos diversos outros membros de sua coalizão. Isso se dá pela capacidade do poder legislativo, através do Congresso Nacional, barrar a governabilidade do executivo no Congresso:
No Brasil, essas coalizões são frequentemente formadas por partidos de ideologias distintas ou até contrárias. Isso pode contribui para um caráter artificial dessas uniões, que passariam a visar com prioridade maior a manutenção do poder governamental, através da concessão de cargos decorrente da junção coligativa, do que a aprovação de pautas que atendam as demandas da sociedade.
Além disso, esse possível aspecto artificial pode criar um cenário propenso a crises políticas. Um presidente eleito, ao perder o apoio de sua coalizão, pode arriscar não apenas ser limitado do abuso de ser poder pelo Congresso, mas também perder completamente sua capacidade de governo. Essa perda de apoio pode se desdobrar em diversas formas, por exemplo no Impeachment de Dilma Rousseff, que necessitou de ampla e diversa coalizão para se eleger, e por não contar com um forte relacionamento com o Congresso, não recebeu o apoio necessário por seus partidos coligados para barrar a votação de impedimento.
Porém, em discordância dessa situação, dados de 2011 informam que apesar das Medidas Provisórias representarem quase a metade de todas as iniciativas de lei ordinária provenientes do Executivo, apenas 5% das MP’s editadas foram rejeitadas pelo Congresso.18 Essa informação aponta que, em um contexto governamental de forte apoio do Congresso ao líder do Executivo, como no governo Lula, onde foi colhida a pesquisa supramencionada, o Presidente pode atuar de forma ampla e poderosa com suas prerrogativas legislativas, contando com uma base sólida e perene de apoio.
Trata-se de processo político-criminal que, se admitido por ambas as casas legislativas, afasta o presidente de seu cargo temporariamente. Se o processo for julgado como procedente por ambas as casas, o chefe do executivo é destituído permanentemente.
O impeachment se dá mediante acusação de crime de responsabilidade, conforme previstos no Art.85 da Constituição de 1988 e definidos pela Lei 1.079 de 1950, ao Presidente da República. Sendo essa acusação admitida, será submetido ao julgamento do Senado Federal, segundo o Art. 86 da Constituição.
Embora sua classificação como instrumento jurídico ou político seja controversa, existe uma convergência atual na concepção do impeachment como processo de natureza mista político-criminal, visto que apresenta características de ambos os aspectos.19
O aspecto criminal é reforçado ao denominar as infrações plausíveis de acusação como crimes, enquanto as penas estipuladas são puramente políticas. Há previsão de recusa do prosseguimento do processo, por parte das Casas Legislativas, por motivação puramente política, enquanto no processo em si há necessidade de embasamento jurídico, sendo vedada a decisão por mero motivo subjetivo, discricionário e meramente político por parte do Congresso. Por fim, apesar de o julgamento ser efetuado pelo Senado, o presidente do Supremo Tribunal Federal é chamado para presidi-lo, fazendo a casa política funcionar como tribunal judicial.
O Poder Legislativo pode iniciar a tramitação do processo ao aceitar denúncia por crime de responsabilidade ao Presidente da República. Após o recebimento do processo, a denúncia é despachada para uma Comissão Especial, com representantes de todos os partidos, devendo emitir, em até 10 dias, um parecer decidindo se a denúncia será objeto de deliberação.
Em caso de parecer positivo, este é apreciado pela Câmara dos Deputados, onde será votado. Em caso de aprovação da denúncia, o presidente dispõe de 20 dias para apresentar sua defesa. A partir daí a Comissão Especial recolherá depoimentos, fatos e argumentos, emitindo novo parecer. Esse novo parecer é votado em duas sessões, necessitando de dois terços dos votos da Câmara (342 de 513), sendo decretada a acusação em caso de aprovação.
O processo é então enviado ao Senado Federal, sendo instalada Comissão Especial, composta por um quarto dos senadores, para admitir ou não a denúncia. Se admitida, o Presidente da República é suspenso de sua função por 180 dias, além de ter metade de seu salário cortado.
Então o Senado, presidido pelo presidente do STF, decide em voto sobre o processo, sendo necessários dois terços dos votos do Senado (54 de 81) para a aprovação definitiva do impeachment. Caso o resultado seja positivo, o Presidente fica inabilitado por 8 anos para a função pública e é afastado definitivamente, enquanto o Vice é empossado como chefe do Executivo.
Através de um processo legislativo, pode o Presidente, como figura chefe do Executivo, ser extraído de sua posição de poder, além da perda do direito de participar novamente do cenário político por 8 anos. Trata-se de um processo diferenciado, visto que o Presidente é imune até mesmo, segundo o parágrafo 4º do Art. 86 da Constituição de 88, de ser responsabilizado durante o seu mandato por atos estranhos ao exercício de suas funções. Demonstra-se, nesse caso, a tamanha gravidade dos crimes de responsabilidade efetuados pelo Presidente, como percebido pelos legisladores constitucionais.
O primeiro exemplo do processo de Impeachment no Brasil foi o de Fernando Collor, em 1992. Na época, o governo de Fernando Collor já era fragilizado, principalmente por conta do fracasso de seus planos para recuperar a economia brasileira, falhando em controlar a inflação nacional e congelando as contas de poupança dos cidadãos, o que acarretou em uma governabilidade com mínimo apoio por parte do Congresso Nacional.20 No contexto prévio a seu Impeachment, Collor chegou a um nível de 68% de reprovação21 Deste cenário de embate com o Legislativo, foram expostas denúncias de corrupção dentro do governo, por parte do irmão do então Presidente, Pedro Collor.
Fernando Collor, ao decorrer do processo, foi afastado de seu cargo e, próximo a data de julgamento definitivo por parte do Senado, renunciou ao cargo da Presidência numa tentativa de evitar a perda dos direitos políticos por 8 anos. Não obteve sucesso, visto que poucos dias depois o Senado Federal decretou o impeachment de Collor, impondo também a pena política pelo período integral dos 8 anos.
O segundo da história e mais recente exemplo de Impeachment no Brasil foi o de Dilma Rousseff, em 2015. De forma semelhante ao caso Collor, o governo de Dilma encarava uma situação de apoio mínimo por parte do Congresso, situação ocasionada principalmente à crise econômica no Brasil desde 2014, que em agosto de 2015 levou a um nível de 71% de reprovação da presidenta, maior que a pior registrada no período Collor.22
Foi efetuada denúncia sobre desrespeito à lei orçamentária e à lei de improbidade administrativa, na forma de “pedaladas fiscais”. A acusação foi aceita na Câmara e no Senado, levando à destituição de Dilma e ao empossamento de Michel Temer, seu vice-presidente. Diferentemente do Caso Collor, a votação das sanções a serem aplicadas mediante o decreto do Impeachment foi fatiada, sendo votados separadamente os pedidos de impedimento do exercício do cargo de Presidenta da República e a destituição dos direitos políticos da impedida por 8 anos. Seguindo essas regras, a votação para o impedimento do cargo foi aprovada, ao mesmo tempo que foi afastada a pena de inabilitação para o exercício de função política.23
A atuação do Legislativa em interferência com o Judiciário ocorre de maneira mais indireta do que a com o Executivo, com quem mantém relações intensas na governabilidade cotidiana. Porém, ainda dispõe de poderosas competências limitadoras da atuação dos magistrados, bem como pontuais interferências mais incisivas.
Indicados a vaga de ministro do Supremo Tribunal Federal devem passar por sabatina aplicada pela Comissão de Constituição e Justiça, composta por parlamentares. Mediante parecer positivo da Comissão, a indicação é enviada para apreciação do plenário do Senado Federal, onde necessita de pelo menos 41 dos 81 votos para ser aprovada. Trata-se de poder detido sobre a composição do Supremo Tribunal Federal que ocorre de forma extremamente pontual, mas ainda sim relevante.
O Poder Legislativo atua em restrição da atuação de todo e qualquer cidadão através da aprovação de numerosas leis de diversas naturezas, além de suas potenciais emendas. Essa competência, portanto, não pode ser definida como uma interferência incisiva ao Poder Judiciário. Porém, é visível a limitação à atuação do Poder Judiciário, especificamente, gerada pelo arcabouço de normas legais produzidas pelo Congresso. Delimitando as leis a serem aplicadas pelos magistrados, delimita-se também as interpretações que podem se resultar dessas.
Mais especificamente, o Congresso também conta com a competência de legislar especificamente sobre a organização do judiciário, segundo a Constituição Federal em seus Arts. 48, inciso IV, 93, inciso I, alínea d), inciso II, 124, caput, 121 e 113.
A Lei 1.079 de 1950, que regula o impeachment, também classifica os ministros do STF como passivos de acusação e decreto de impeachment, em seu Art. 2º. O julgamento seria efetuado pelo Senado Federal, de acordo com o Art. 52, inciso II da Constituição Federal de 1988. O motivo da denúncia e o andamento do processo se dão da mesma forma que o Impeachment presidencial, sob a mesma definição dos crimes de responsabilidade, também dispostos na Lei 1.079. A escolha de englobar magistrados do Supremo Tribunal Federal nos possíveis acusados de crime de responsabilidade, com a mesma sanção dada ao impeachment presidencial, indica a relevância da vedação dessas práticas, como concebido pelo legislador constitucional.
Pode o Congresso Nacional, segundo o Art. 48, inciso VIII da Constituição Federal de 1988, conceder anistia, contrariando decisão tomada pelo judiciário e sob efeito de coisa julgada. Através deste instrumento, o Legislativo pode atacar e desfazer diretamente decisões jurisdicionais do Judiciário, dentro do escopo de decisões passíveis de anistia, delimitado pela Constituição Federal em seu Art. 5º, inciso XLIII (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes, terrorismo e crimes hediondos).
Fonte original: separação de poderes no brasil. Compartilhado com Creative Commons Attribution-ShareAlike 3.0 License
RHC 71.400,Ministro Ilmar Galvão ↩
HC 73.454, Ministro Maurício Corrêa ↩
Termo cunhado por Sérgio Henrique Hudson de Abranches, no texto Presidencialismo de Coalizão: o dilema institucional brasileiro. ↩
PRESIDENCIALISMO DE COALIZÃO: O DILEMA INSTITUCIONAL BRASILEIRO, Sérgio Henrique Hudson de Abranches, p. 6 ↩
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